Vidas paralelas, olhares dissonantes
Humberto Magno e Jairo Arcoverde
Agosto a Outubro de 2019
A vida, simplesmente, dos dois artistas que compõem esta exposição, seus aspectos simbólicos, o humor, as visões de mundo por vezes discordantes e por vezes afinadas num mesmo tom de denúncia, a história de cada um, são o partido curatorial que adotamos para a mostra destes dois importantes artistas pernambucanos que são Humberto Magno e Jairo Arcoverde. Através deles, se formaram duas famílias de artistas, e aí está o primeiro paralelismo: Humberto ex-marido da pintora Iza do Amparo, pais de Paulo do Amparo e Catharina de Jah, ambos artistas notáveis fora dos eixos tradicionais da arte, sendo Paulo pintor e desenhista e Catarina cantora e performer. Jairo, casado com a ceramista Betty Gatis autora de cerâmicas utilitárias também das queimas de imagens pintadas em barro por Jairo. Os dois são pais de Leonardo, pintor, e Joana, modelo, desenhista de moda e de estampados. Duas famílias de artistas que deixam nos descendentes marcas profundas de suas personalidades. Com mais ou menos a mesma idade eles viveram em Olinda pedaços de suas vidas e a mesma história que nos trouxe aqui. Vanguardistas em determinado momento, amadureceram com o mesmo espírito renovador que embalou os jovens pintores dos anos de 1960. Pintor e desenhista Jairo frequentou os cursos livres da Escola de Belas Artes do Recife onde conviveu com os seus importantes artistas professores, como Reynaldo Fonseca e Vicente do Rego Monteiro, por exemplo, e onde estudaram artistas como Ypiranga Filho. Humberto, vindo da filosofia educacional da Escolinha de Arte do Brasil viveu sua infância entre o Rio de janeiro e Recife. No Rio, com nove anos de idade participou de uma exposição coletiva produzida pela Sociedade Carioca de Artistas Plásticos no Hall do Hotel Glória, selecionado por sua professora, a gravadora Misabel Pedrosa, que o considerava um talento excepcional. Esta exposição nos traz também o resgate de um grupo de artistas (não um coletivo) que contestaram o status quo da elite da arte no Recife mostrando assim que nem toda arte reflete o pensamento de uma elite. Além deles, Rodolfo Mesquita, Ismael Caldas, Ney Quadros, Roberto Amorim, Anchises Azevedo, Montez Magno, entre outros que “desobedeceram” as ordens do “Rei Nu” e colocaram e ainda colocam a boca no trombone. Esta exposição mostra segmentos diferentes das obras de cada um: O conjunto de obras de Humberto é composto de guaches sobre papel, técnica que ele domina magistralmente. É uma pequena viagem no tempo de seu trabalho iniciando com reflexões sobre a figura, em seguida um ensaio de paisagens, de um jardim a panoramas distantes, e os “quadradinhos coloridos” que pintou compulsivamente por anos e anos, que diferem dos “quadradinhos concretistas” que por respeito ao purismo de Mondrian dominante para os artistas daquele período da arte brasileira não permitiam passar das cores primárias. Jairo também apresenta três segmentos, mas não encadeados no tempo. Pequenas pinturas em tela e pinturas em papelão formam os primeiros segmentos que se distinguem não pelo tema, mas pelos materiais e dimensões, e um magnífico conjunto de pinturas maiores feitas com espátulas onde o geometrismo simbólico e sensível recorrente em toda sua obra, se mostra pleno de atualidade. A cor grita em acordes cromáticos vibrantes que se harmonizam entre curvas e retas em belíssimas composições. Vibrações, acordes, dissonâncias, termos mais identificados com a música, são utilizados também na arte da pintura moderna talvez como osmose de uma arte para a outra, mas nos informa sobre a multidisciplinaridade do universo da arte destes dois artistas maduros, autores de vasta obra e de intensa vivência com a linguagem pictórica e provocações metafóricas. Artistas como eles abriram as portas da linguagem para a apresentação de possibilidades imensas que visavam o futuro da arte, da arte deles e dos novos artistas que com eles conviveram e convivem. São mestres no sentido mais zen da palavra, isto é, mestres que nunca se consideraram assim, mestres que não têm discípulos porque “mal corresponde ao mestre aquele que não passa de discípulo”, disse certa vez um mestre.